Não é possível compreender o mundo sem estar nele, caminhando com ele, sentindo sua textura.
— Tim Ingold

Será que a grande entrega de uma pesquisa cultural está mesmo nos achados, ideias e respostas que reúne em um relatório? É claro que tudo isso tem sua relevância, mas são detalhes diante da contribuição que de fato este tipo de estudo apresenta: uma versão analógica do mundo.

As pesquisas culturais oferecem ao mercado um contraponto cognitivo urgente. Em um ambiente cada vez mais guiado por raciocínios lógicos, fórmulas e métricas, esse tipo de abordagem é fundamental para ancorar as empresas em uma realidade menos autorreferente e confinada às suas próprias categorias e métricas.

O consumidor não escolhe, ele compõe. Não decide, mas intui. Ele cria colagens simbólicas para habitar o mundo.

Ao priorizar perspectivas utilitárias sobre a realidade, restrita a dores, desejos e necessidades de consumo de uma determinada categoria, o mercado acaba se viciando em modelos mentais lineares, marcado por regras, fórmulas, métricas, axiomas e deduções.

A atual obsessão do mercado por dados reflete um pouco este viés cientificista. Se por um lado, dados conseguem trazer leituras objetivas e de fácil assimilação, também criam distorções e alucinações ao circunscreverem a realidade apenas àquilo que conseguem parametrizar. Como observa David Howes, a cultura não é um dado a ser coletado, mas um campo sensorial a ser vivido.

Estudos de cultura, neste cenário, promovem um modelo de pensamento analógico, associativo, reflexivo e desestruturado no qual a realidade é apreendida não como dados, fatos e ocorrências, mas a partir do exercício fortuito de vivenciar um mundo repleto de sentidos, sentimentos, emoções, afetos e memórias sobre as quais se ancoram as experiências cotidianas.

O pensamento analógico não é um adorno poético da pesquisa: é seu método fundador quando lidamos com subjetividade, cultura e sentidos. Ele é a linguagem da complexidade, da ambiguidade e da experiência encarnada — exatamente os terrenos onde se constrói valor de marca, preferência e lealdade, visto que, no consumo, as decisões raramente seguem a lógica causal linear; elas operam por ecos, ressonâncias e associações difusas.

Enquanto o pensamento lógico opera pela otimização de soluções conhecidas, o pensamento analógico se move pelo desvio, pela emergência e pelo improviso. Inovar, nesse sentido, não é apenas resolver um problema, mas descobrir novos modos de estar no mundo. É menos uma meta e mais um processo, uma travessia, um deslocamento simbólico que exige abertura ao inesperado e sensibilidade para o indizível. O conhecimento produzido por pesquisas culturais se torna, assim, um catalisador de rupturas criativas.

São os contextos, histórias e memórias que marcam a interação das pessoas com as marcas, ou seja, quanto maior o campo semântico, afetivo e mnemônico trabalhado por ela, mais profunda e verdadeira será a conexão que estabelece.

As marcas precisam ser compreendidas não apenas como signos visuais ou conceitos estratégicos, mas como experiências sinestésicas complexas para os quais o pensamento lógico não consegue dar vasão.

O branding, nesse cenário, deixa de ser uma técnica de diferenciação e passa a ser uma prática simbólica e sensível. A marca não é apenas aquilo que comunica, mas o que evoca, o que desperta, o que toca e expressa por meio da cultura. Uma marca forte é aquela que se inscreve na memória afetiva, que reverbera no corpo e nos sentidos, que se mistura com a paisagem emocional do consumidor. A pesquisa cultural revela essas camadas ocultas de significação, permitindo que o branding se torne mais poroso, relacional e potente.

O pensamento analógico permite às marcas suspenderem por uns instantes os limites que se auto-infligem ao organizarem suas ações em torno de segmentos, tiers de preço, KPIs e categorias, e olharem para si sob as lentes do repertório semântico que as pessoas criam em torno delas. Como diria Ingold, é preciso pensar com os pés no chão e os sentidos despertos — não como quem mapeia o mundo de fora, mas como quem o percorre de dentro, construindo sentido a cada passo.

É nesse caminhar atento que a pesquisa cultural se inscreve: não como instrumento de leitura do mercado, mas como um modo de reencantá-lo. Revela menos o que os consumidores fazem, e mais aquilo que os move. Aponta menos para tendências, e mais para territórios sensíveis de significação. Onde a lógica mede, a cultura envolve. Onde os dados explicam, os sentidos tocam. A verdadeira entrega, portanto, não está no que a pesquisa mostra — mas no que ela ressignifica.

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